O vermelho nos trouxe, mais uma vez, a Salvador.
Dicas sobre o dia de Iansã, o que fazer e ler no verão soteropolitano e restaurantes novos que comemos
O vermelho nos acompanhou nessa temporada que passamos em Salvador (ainda escrevemos essa newsletter em terras baianas, que sorte). É a cor de Santa Bárbara, de Iansã, dos Bombeiros, abrindo a temporada de festas com rosas rubras espalhadas pela cidade. É a cor nos museus, no contraste de Walter Firmo e da curadoria do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira. Na cozinha da Dona Fernanda e dos letreiros do melhor espetinho da cidade. Na carne de fumeiro e no barro da nossa galeria preferida.
O vermelho vai ser o fio condutor dessa newsletter e talvez do nosso ano de 2024, cheio de amor e bem cafona, começando com nosso casamento e tudo mais que a vida nos trouxer.
Abrindo o caminho com Oyá, por Piera
Você pode ler ao som de Bethânia:
Cobrindo cada fresta das ladeiras do pelourinho de rosas e um mar de gente com roupas vermelhas, Iansã e Santa Bárbara são celebradas por devotos e curiosos e marcam a abertura do calendário de festas populares de Salvador, uma festa que só se encerra com o carnaval. Como nunca não é carnaval, eu acredito que a festa não se encerra nunca.
Eu sou uma grande devota de Iansã (também chamada de Oyá) e também de festas populares. Ter essa como a festa que dá início a tudo de bonito que vem por aí é da maior poesia.
Eu faço questão de estar em Salvador nessa data, para agradecer o ano vivido e pedir pelo que está por vir. Sentir o calor que essa data tem, me faz sentir um pouco mais viva, é a marcação de tempo que indica que o verão chegou pra mim.
Esse ano em especial meu cansaço quase me fez desistir de descansar nos braços de um pelourinho cheio e uma mãe carinhosa, mas com uma forcinha do Julio e da querida Thaís Fabris, não tive muita escolha se não estar aqui. E ainda bem que eu escuto quem me ama em tempos de exaustão. Se você que me lê tem fé, entende o que eu vou dizer: sigo sentindo a intensidade de tudo que foi vivido nesse ano, mas também senti, ao ajoelhar ali, o labirinto do cansaço sendo tirado do meu peito, a sensação de não saber pra onde caminhar se dissipando, a clareza da força que possuo aos poucos ficando mais presente.
Ter fé é saber ouvir o sussurro de que tudo vai dar certo - eu espero que você tenha, seja ela qual for.


Sobre a festa
O Dia de Iansã, ou Santa Barbára, acontece em todo dia 4 de dezembro. É bem menos cheia que a que acontece no dois de fevereiro e celebra Iemanjá, mas ainda sim, se quiser vir no próximo ano, recomendo bom tênis, roupas frescas (vermelhas) e disposição.
A festa começa com todo o sagrado pela manhã, a partir das 6h os devotos começam a chegar na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a missa é campal, que começa mais ou menos às 8h, num palco montado em frente à Fundação Casa de Jorge Amado, e dura cerca de três horas. Depois da missa, a procissão segue pelas ladeiras do Pelourinho e se encerra no Corpo de Bombeiros, onde eles servem o Caruru de Santa Bárbara e dão um banho de mangueira para refrescar quem chegou até ali.
Não deixe de comprar suas rosas com Seu Edmilson, um senhor simpático que fica em frente à igreja, e também, antes da missa, passe pelo mercado de Santa Bárbara para ver a Santa na gruta. Nesse horário tem menos gente e você consegue fazer as orações com mais calma.
Não deixe de comer o Acará de Iansã, oferecido por devotos ao longo de toda celebração. O Acará é aquele bolinho feito de sonhos do acarajé, e é a comida atribuída a Iansã.
Vou deixar aqui um artigo muito interessante que conta essa relação da comida com a Santa e o Orixá, aproveitem: https://encurtador.com.br/opqsE
E, na parte da tarde, a programação não tão sagrada assim começa e vai até a noite, com shows, festas e cerveja gelada, uma outra forma de reza se você quer saber o que eu acho.
Epahey Oyá.
A Fé do ateu, por Julião
Não sou uma pessoa de fé.
A vida toda, desde pequeno, gostei muito de observar a fé dos outros, muito mais do que procurar uma pra mim. Sou a pessoa que fica de olho aberto naquele pai nosso rezado no Natal, vendo a emoção de quem acredita.
Ter estudado em colégios católicos pode ter interferido nisso.
Hoje me vejo como um ateu não militante simpatizante com a fé dos outros. As vezes até tomo um banho de manjericão quando me sugerem - que mal vai fazer?
Tenho muita sorte de estar em Salvador em mais uma festa de santo. Santa Bárbara para os católicos, lansa para as religiões de matrizes africanas. Fiquei escondinho nos cantos do pelourinho para não atrapalhar, observando e registrando.
Talvez, no final do dia, seja uma pessoa de fé.
Nas pessoas que tem fé.


Exposição um defeito de cor
Se você está contando os dias para viver o verão de Salvador, temos dicas deliciosas aqui e algumas outras aqui. De onde se hospedar a onde comer uma boa carne de fumeiro, tem muita coisa boa lá.
Dessa vez visitamos duas exposições em dois museus lindos que você pode incluir no roteiro, uma no MAM que o Julio vai falar ali embaixo e outra que eu te conto aqui no recém re-inaugurado Muncab, o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira.
O museu reabriu em Novembro, depois de três anos fechado, com a exposição “Um Defeito de Cor”.
A mostra é uma interpretação do livro de 2007 de mesmo nome, da Ana Maria Gonçalves, que conta a saga de uma mulher africana, chamada Kehinde, que, no Brasil, precisa lutar por sua liberdade. Se você não leu ainda já compra ele aqui, é o livro que mais me impactou no último ano, e caso você precise de mais argumentos para acreditar em mim, também é a inspiração do samba enredo da Portela do próximo carnaval.
A exposição cumpre a expectativa e é tão impactante quanto o livro, com mais de 350 obras de mais de 100 artistas das Américas e da África em sua maioria negros e negras, principalmente mulheres. É dividida em 10 ambientes, como os 10 capítulos do livro, e conta com desenhos, pinturas, cerâmicas, esculturas e instalações.
Antes de chegar a Salvador, a exposição passou pelo MAR no Rio, e que bom que chegou aqui. O livro se passa aqui e também é daqui que a luta pelo fim da escravidão começou.




Se você já viu a exposição no Rio, recomendo ver aqui também, as obras do acervo do Muncab foram integradas as obras da montagem original, o que deu uma riqueza ainda maior.
Das melhores curadorias que vi recentemente, a exposição faz uma revisão historiográfica da escravidão, abordando lutas, contextos sociais e culturais do século XIX.
É uma exposição (e um livro) para entender melhor a história: só vive com mais presença e consciência no hoje se você entender o que veio antes. E enquanto em Salvador, entender esse ontem tão dolorido faz com que você esteja melhor aqui. Vale a visita.
SERVIÇO
Exposição “Um Defeito de Cor”, na Rua das Vassouras, 25 - Centro Histórico de Salvador, Bahia, de 6 de novembro de 2023 até 3 de março de 2024.
Funcionamento: de terça-feira a domingo, das 10h às 17h. Acesso até às 16h30.
Valor Ingressos: R$ 20; Entrada gratuita às quartas-feiras.
Os contrastes de Walter Firmo, por Julião.
Quem frequenta nossa casa, a Hospedaria Angélica, sabe que as coisas mudam muito por lá. É muita arte entrando e mudando de lugar, escultura que vai pra um lado da sala e na semana seguinte tá no escritório, as artes de parede que vivem aparecendo. Mas algumas coisas não mudam de lugar. Uma delas é o livro do Walter Firmo, que fica na mesa de centro e é um dos nossos queridinhos. Tivemos a sorte grande de estarmos em Salvador no dia da abertura da nova exposição dele no Museu de Arte Moderna da Bahia, o MAM. É uma retrospectiva produzida melo Instituto Moreira Salles (IMS) que já passou por São Paulo e pelo Rio, e agora chega à Bahia até março de 2024.
Walter é um daqueles artistas que toca absolutamente todo mundo que tem contato com sua obra, sabe? Tem exposição que você vai e não se comove, talvez pelo estilo que não faça muito o seu ou por estar em um dia ruim. Entrar numa sala com obras de Firmo é como entrar em um santuário. As cores de suas fotos gritam contigo e o contraste te puxa para dentro de cada cena registrada.
Seu olhar documental cotidiano conta histórias profundas em cliques certeiros, e seus retratos entraram para história como alguns dos mais importantes das carreiras de grandes artistas.
Pixinguinha em seu quintal com o Sax no colo, é de Walter Firmo:
Prêmio Esso de 1963 por fotos e reportagem na Amazônia, Walter é um dos grandes nomes da fotografia brasileira. No jornalismo, aprendi com o tempo o valor de contar histórias de anônimos. Chamar o Caetano Velloso para uma entrevista é ótimo, claro, mas contar uma boa história de um anônimo é mágico. É sobre eternizar uma história que poucas pessoas conhecem, criar memória. E o nosso fotógrafo em questão faz isso com uma delicadeza de poucos. Do sertanejo ao folião, da criança espiando o movimento na janela ao trabalhador descansando os olhos entre baldeações.
Celebrar a obra de Walter Firmo é celebrar o Brasil, a nossa história. Então, na sua passagem por Salvador nesse verão, vá ao MAM e visite a exposição, cheia de vermelho e histórias.
SERVIÇO
Exposição ‘Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito
De 05.12.2023, às 17h, c/visitação gratuita de terça-feira a domingo, das 10h às 18h
Onde: MAM Bahia (Av. Contorno, s/n – Comércio, Salvador).
Duas novas descobertas gastronômicas em Salvador
Fomos em dois lugares que nunca tínhamos ido e que valem ser citados aqui.
O primeiro deles é aquele lugar que vai salvar sua fome no fim de noite, quando todos os restaurantes e bares do Carmo já fecharam suas cozinhas. É o Bar e Lanchonete Cruz do Pascoal, na frente do monumento que o batiza. Entre e peça a Carne de Sol com seu acompanhamento de preferência - pode ser aipim, batata frita ou pirão. Salvou nossa fome depois de um longo dia de Iansã.
A segunda dica é bem conhecida em Salvador mas acho que a nossa galera não frequenta muito - é o Paraíso da Carne de Sol, em Pituba. É um restaurante super tradicional de Feira de Santana que LOTA aos finais de semana - então o esquema é ir de noite durante a semana para comer com calma. A meia porção de carne de sol serve, tranquilamente, quatro pessoas, e acompanha paçoca de carne e vinagrete - aí é só pedir alguns acompanhamentos. Nossas escolhas foram batata frita, claro, e pirão de leite, que tava uma delícia.
Leituras de verão, por Piera
Vem chegando o verão, o recesso de fim de ano (torço de coração para que você que está lendo isso tenha um), e aquele momento de deitar no sol, ou no ar-condicionado, com um bom livro. Deixo aqui algumas dicas, além da que já dei acima pra você ter um bronzeado com conteúdo:
Antes, eu indico muito para quem viaja um Kindle, não pesa na mala e pode levar vários livros https://a.co/d/cvjHmDq
Mitologia do Orixás - sendo ou não do axé, eu acredito que esse é um livro que faz a gente ter um respeito ainda maior pelas religiões de matriz africana. Aprendemos na escola sobre mitologia grega, e eu lembro desse momento escolar como algo divertido, se você também, posso garantir que essa é tão interessante quanto. https://a.co/d/afI8JOv
A sociedade dos sonhadores involuntários - esse é o meu livro preferido, nunca achei que teria um, mas ele aconteceu, é um livro que restaura a capacidade de sonhar, um bom livro pra encerrar esse ano e começar o próximo: https://a.co/d/ehvuqSU
Tudo sobre o amor - se você já leu passe a palavra e veja se não está precisando reler se não leu pega essa palavra aqui. Esse livro faz muita coisa se encaixar, e mais coisa ainda sair do lugar, especialmente se você está em uma posição privilegiada na sociedade: https://a.co/d/3OpHWyP